Fotos: Gabriel Haesbaert (Diário)
Bairro Nova Santa Marta concentra 25 mil habitantes, o que representa quase 10% da população de Santa Maria.
Assunto que pode parecer distante da maioria das pessoas, a regularização fundiária é de extrema importância à sociedade e, principalmente, para quem administra um município. A regularização fundiária não se limita apenas à titularidade do imóvel, mas, principalmente, no ordenamento urbano e, claro, é uma das válvulas para o desenvolvimento da economia como um todo.
Nos grandes centros urbanos, as favelas dão o tom, acinzentado e de problemas, na paisagem das cidades. E, em Santa Maria, com seus quase 300 mil habitantes, o município tem sua realidade, que está posta e que precisa ser enfrentada. Conforme dados da Superintendência de Habitação e Regularização Fundiária, Santa Maria chegou a ter, nos últimos anos, quase 15 mil lotes irregulares. Número que, a efeito de comparação, é igual ou superior à população de muitos municípios pequenos da Região Central.
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A fila, contudo, teve uma queda de mais de 30% e, hoje, está em cerca de 10 mil lotes, conforme apurou o Diário. Do total, quase metade está concentrada no Bairro Nova Santa Marta, região oeste da cidade. Por lá, as sete vilas que integram o bairro - que soma quase 25 mil habitantes (quase 10% de toda população do município) - contabilizam 4,4 mil áreas irregulares. O Executivo credita esse expressivo número pelo fato de a Nova Santa Marta ser uma das maiores ocupações da América Latina, que começou ainda na década de 90. Aliás, a regularização fundiária desse bairro, em específico, é algo perseguido por todos os governos, mas nenhum, até hoje, atingiu isso.
O pontapé dado pela prefeitura em torno da Nova Santa Maria foi dado em 2008. À época, houve a liberação de R$ 35 milhões por parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Recurso que, por quase uma década, chegou a ficar retido _ em decorrência de entraves burocráticos e na própria resistência de cadastramento das famílias _ e que, agora, segue sendo liberado aos poucos. De lá para cá, o ano de 2016 foi emblemático aos moradores, já que uma empresa de Santa Catarina _ que venceu uma licitação naquele ano _ deu início à conferência dos cadastros dos moradores, à atualização do levamento topográfico da área, entre outras etapas.
Porém, seja na Nova Santa Marta ou nos mais variados bairros e vilas da cidade, ainda há uma outra etapa ser superada: a resistência dos moradores em abrir a porta de casa e colaborar com o processo. O superintendente de Habitação, Wagner Bitencourt, diz que, no passado, a falta de colaboração já foi mais gritante. Mas, ainda, há um saldo a ser quitado:
- Já tivemos uma resistência muito maior. Mas, por vezes, a falta de esclarecimento e um somatório de circunstâncias criam medos e tabus nas pessoas que não existem. E o poder público está aí para auxiliar. É, sem dúvida alguma, uma via de mão dupla.
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Mas nem só de problemas e de dificuldades se dá a regularização em Santa Maria - que avança, entre demarcações e liberação dos termos de escritura (que é titulação de moradores em lotes), conforme o superintendente de Habitação e Regularização Fundiária.
- A questão da regularização não é meramente de liberação da titulação do lote para a pessoa. É uma construção em que os posseiros das áreas, sejam elas públicas ou privadas, precisam ter o entendimento de que esse é um passo importante: a regularização e, por consequência, a legalização da área onde estão - destaca Bitencourt.
FRENTES DE TRABALHO
A prefeitura trabalha com uma meta de zerar essa fila de 10 mil lotes irregulares até 2025. O cronograma consta no chamado Plano Local de Habitação de Interesse Social. Para dar celeridade aos trabalhos, a prefeitura irá abrir uma licitação (na modalidade de tomada de preço), no próximo dia 24, para viabilizar a execução da regularização fundiária das vilas Esperança, Jardim e Natal.
O Bairro Nova Santa Marta é formado por sete vilas. É no chamado Núcleo Central (foto) onde está concentrado o maior número de lotes irregulares
IMÓVEL COMPRADO COM "CONTRATO DE GAVETA"
Há 15 anos, Marilene Foliatto, 54 anos, morava na zona rural de Santa Maria. À época, ela vendia hortifrutigranjeiros e também lidava com algumas cabeças de gado. Foi depois de um acumulado de dívida - de um comprador dela que se apertou financeiramente - veio a proposta deste homem como forma de resolver o passivo: a venda de uma casa, de esquina, junto ao inóspito e longínquo Núcleo Central da Nova Santa Marta. O valor parecia ser atrativo e, com um aperto daqui e outro ali, ela comprou o imóvel.
- Se tu visse o que era isso daqui. Não tinha nada. A estrutura nas ruas era inexistente, um horror mesmo. A casa era de um piso só e, depois, a gente fez mais um piso. A compra foi feita com um "contrato de gaveta". Eu sigo esperando a conclusão da regularização para eu ter a escritura do meu imóvel, o que é um direito - diz Marilene, onde no local também funciona um minimercado da família.
Desde que foi para a casa, em 2004, o saldo é de avanços e de conquistas, lembra Marilene. Os problemas eram visíveis da janela da casa de esquina dela: esgoto a céu aberto, falta de pavimentação. E a via, que sequer tinha nome - hoje se chama Rua Profeta Jonas -, era de chão batido. Ou seja, em dias de calor, tinha a certeza de muita poeira e, quando chovia, o incômodo de um lamaçal em frente à casa.
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De lá para cá, muita coisa melhorou: a pavimentação se faz presente, as linhas de ônibus garantem deslocamento para o centro da cidade e ainda a existência das redes de água, esgoto e de iluminação pública. A sensação de "terra abandonada", diz Marilene, ficou no passado.
A moradora entende a necessidade de sair da irregularidade:
- Tem muita gente que resiste e que quer seguir irregular. Eu, por exemplo, pago IPTU. A prefeitura veio aqui, já, e cadastrou tudo e mediu a área. Quem ganha por estar regular é a gente, o dono do imóvel. É o certo.
Mesmo assim, na Nova Santa Marta, há ainda avanços a serem feitos nas demais vilas que compõem o bairro.
GANHO ALÉM DO PAPEL
A legitimação da posse de uma área, até então irregular, traz uma série de garantias, como destaca o superintendente de Habitação e Regularização Fundiária: endereço certo e, com isso, a possibilidade de informar onde mora junto a qualquer cadastro existente. E, também importante, a garantia de receber documentos e encomendas dos Correios. Além, claro, de os moradores passarem a pagar IPTU, o que representa um ganho financeiro à prefeitura e, por consequência, em uma melhoria nos serviços prestados (como saúde, iluminação e pavimentação).
Um lote regularizado também se traduz numa garantia de prestação de serviços essenciais dentro da lei - como os fornecimentos de água e de energia. A vida formal, explica Bitencourt, deve ser visto como a maior conquista desses moradores.